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2015/06/26

Herberto Helder: um ensaio em fragmentos sobre a sua vida e obra

Fragmento duma foto da "Revista do Expresso" de Março de 2015
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Para amanhã, está acordado que se vai falar de Herberto Helder.

Sabe-se como Herberto Helder é um poeta difícil. Pela sua personalidade e pela sua obra.
De modo que me lembrei de deixar aqui algumas notas, soltas e dispersas, só para minha reflexão e aprendizagem. Ao mesmo tempo fica a partilha com os leitores que por aqui aportarem.

Os meios de consulta bio-bibliográfica que tenho à mão são:
- A Revista do Expresso - nº 2213 -  28/Março/2015
Herberto Helder 1930-2015;
- Um vídeo no Youtube https://www.youtube.com/watch?t=2237&v=-p0CnJ-FW_E;
- Ofício Cantante (poesia completa) - ed. Assírio & Alvim, 2009;
- O Bebedor Nocturno - poemas mudados para português, ed. Assírio & Alvim, 2ª ed. 2013.
- Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa - M.Alberta Menéres e E.M. de Melo e Cstro, Ed. Livraria Moares Editora, 1971; 
- Iniciação na Literatura Portuguesa - António José Saraiva - Ed. Público/Gradiva 1996.

É notóreo que Herberto Helder era avesso a entrevistas, chegando mesmo a pedir aos seus amigos que não respondessem a perguntas que lhes fossem endereçadas para efeitos de reportagens.
De qualquer modo, no vídeo acima referido, consegue-se um trabalho elucidativo sobre a vida e obra de Herberto. Vi esse vídeo várias vezes e fiquei bastante esclarecido sobre as inúmeras interrogações que tinha sobre quem foi Herberto Helder.
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Um dos seus primeiros poemas, escrito na parede da república ("Real República ´Palácio da Loucura´")  onde viveu em Coimbra, por volta dos 20 anos: 

História 

O senhor do monóculo
usava uma boca desdenhosa
e na botoeira, a insolência
duma rosa.

Era o poeta.

Quando passava
– figura sutil e correcta,
toda a gente dizia
que era o poeta.

– Era, portanto, o poeta...

Mas um dia
o senhor do monóculo
quebrou o monóculo,
guardou a boca desdenhosa
e esqueceu na mesa de cabeceira
a flor que punha na botoeira,
a insolente rosa...

Entrou na taberna e bebeu,
cingiu o corpo das prostitutas,
jogou aos dados e perdeu,
deu a mãos aos operários,
beijou todos os calvários
– e aprendeu.

E o mundo
que o chamava poeta,
esqueceu;
e quando o via passar
limitava-se a exclamar:
– O vagabundo!

Mas o senhor do antigo monóculo,
da antiga figura subtil e correcta,
sentia vozes dentro de si,
vozes de júbilo que diziam:

– É o Poeta! É o Poeta!... 

Herberto Helder

a última estrofe do poema acima, tal como se encontra na parede da "república".

(continua?)...

2015/06/21

Grécia, também já fomos Grécia...





(...) "Tal como,um dia, prometi à «pátria de joelhos», assim agora o asseguro a esta nova pátria que é para mim Creta, mátria da Grécia e da «Europa toda», de que Portugal é o rosto com que fica «o Ocidente, futuro do passado»."

José Augusto Seabra in "A Luz de Creta", 2000. (No ano da sua morte, 2004, fomos nós a Creta, O seu "Diário Poético" é um arco-íris de cores e de tempo. Não é admissível que os portugueses não se revejam nos gregos! ... E também nos estamos a ver gregos com a nossa situação!)

2014/09/30

HUGO SANTOS: No passado sábado, na Biblioteca Municipal de Alcanena fiquei a conhecer mais um escritor, Poeta, romancista e contista.

 Hugo Santos,  Dra. Fernanda Asseiceira (Presidente da CM Alcanena) e Dr. Carlos Nuno Nunes Ferreira
Hugo Santos (*)

Procuro às vezes a palavra dum poeta
para re-haver emoções que se perderam
entre as esquivas areias do tempo.
Acabo por sentir-me um intruso na casa do poeta,
nem aqui está a libélula doce que, voando em redor da palavra,
encontra a luz e a justifica.

É dum alheio território que falo, desconhecido e irreparável,
que fica sempre longe dos rios que por mim passaram.
Estas, repito-o, não são as minhas águas.
Esta margem não é, seguramente, aquela sobre a qual me debrucei,
nem estes os círculos da pedra atravessando o coração da água.

in
A Luz das pequenas coisas
Ed. Vega, 2011
p. 21
-
(*)
Hugo Santos

Hugo Santos nasceu em Campo Maior e toda a sua obra nos fala da vasta e silenciosa beleza do Alentejo raiano. Poeta, romancista e contista, tem mais de quarenta livros publicados e foi distinguido com múltiplos prémios literários dos quais são de destacar, na poesia, Corpo Atlântico, Prémio Antero de Quental, Decálogos do Bom Amor, Prémio Cesário Verde, e na prosa, os romances A Mulher de Neruda e As Mulheres que Amaram Juan Tenório que lhe valeram, respectivamente, o Grande Prémio de Albufeira e o Prémio Miguel Torga. O muito contacto que teve com crianças (exerceu as funções de professor até há bem pouco tempo) e a imensa ternura que sempre lhes devotou, levou-o também a escrever um belíssimo livro para elas, já incluído no Plano Nacional de Leitura, intitulado Eu, a Casa, os Bichos e Outras Coisas (Vega, 2008).

2014/08/28

Eduardo White - Poeta moçambicano morreu aos 50 anos




Morreu no passado dia 24 de Agosto, de madrugada, no Hospital Central de Maputo, o poeta moçambicano Eduardo White, um dos nomes mais significativos da actual literatura moçambicana e autor de uma extensa bibliografia, inaugurada há 30 anos com Amar sobre o Índico (1984). Tinha 50 anos.

A morte de Eduardo White ocorreu às 3h da manhã, segundo uma mensagem colocada por familiares na página de Facebook do escritor, que algumas horas depois já tinha mais de centena e meia de mensagens lamentando o desaparecimento do autor de Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave (1992), Janela para Oriente (1999) ou O Manual das Mãos (2004).

Eduardo Luís de Menezes Costley-White nasceu a 21 de Novembro de 1963 em Quelimane, de mãe portuguesa e pai inglês. É um dos poetas ligados à fundação da revista bimestral Charrua, da Associação de Escritores Moçambicanos (AEMO), que em meados dos anos 80 contribuiu para renovar a literatura do país.

Em 2001, foi considerado a figura literária do ano em Moçambique, e três anos depois recebeu o Prémio José Craveirinha, atribuído ao seu livro O Manual das Mãos. Em 1992, já recebera o Prémio Nacional de Poesia por Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave. Ainda no ano passado, recebeu o Prémio Literário Glória de Sant'Anna com o livro O Poeta Diarista e os Ascetas Desiluminados.

Além de poesia, publicou também novelas e outros textos em prosa. Entre os seus livros mais recentes incluem-se O Homem a Sombra e a Flor e Algumas Cartas do Interior (2004), Até Amanhã Coração (2007), Dos Limões Amarelos do Falo às Laranjas Vermelhas da Vulva (2009), Nudos (2011), antologia da sua obra poética, O Libreto da Miséria (2012), A Mecânica Lunar e A Escrita Desassossegada (2012), O Poeta Diarista e os Ascetas Desiluminados (2012), e Bom Dia, Dia (2014), recentemente lançado pela chancela portuguesa Edições Esgotadas.

A AEMO já divulgou um comunicado a lamentar a "morte prematura de um dos maiores talentos da literatura moçambicana".

(texto publicado pelo Público na internet)
-
in
«Dos Limões Amarelos do Falo às Laranjas Vermelhas da Vulva»


Não faz mal.

Voar é uma dádiva da poesia.
Um verso arde na brancura aérea do papel,
toma balanço,
não resiste.

Solta-se-lhe
o animal alado.
Voa sobre as casas,
sobre as ruas,
sobre os homens que passam,
procura um pássaro
para acasalar.

Sílaba a sílaba
o verso voa.

E se o procurarmos? Que não se desespere, pois nunca o iremos encontrar. Algum sentimento o terá deixado pousar, partido com ele. Estará o verso connosco? Provavelmente apenas a parte que nos coube. Aquietemo-nos. Amainemo-nos esse desejo de o prendermos.

Não é justo um pássaro
onde ele não pode voar.

(p. 22)

(pode-se consultar mais aqui)

2014/06/27

O papel das Bibliotecas Públicas na minha vida de estudante, ali pelos anos 1963/1966

Elegia dum funcionário da Biblioteca Municipal do Porto, talvez o senhor Sá, que tantas horas, durante três anos, de 1963 a 1966, compartilhou a enorme Sala de Leitura da Biblioteca, comigo ... eu, estudante, sem dinheiro para livros (pelo menos o de Economia Política, que esse bem me lembro de o ter passado à mão, quase todo...).


"(...)
eu quando estiver para ir
senhor sá levo bagaço do bom
vá combinando com fernando
pessoa um encontro nos 
claustros da biblioteca daí
a terra prometida e dada
inapelavelmente ao corpo
senhor sá a vida é assim
diga-me como são os livros
depois de apodrecermos"
-
José Viale Moutinho
(faço meus estes versos, amigo José Moutinho)




Tinha eu acabado de receber, via CTT, dum alfarrabista, o livro "Ao Porto - Colectânea de Poesia sobre o Porto", Dom Quixote. 2001. 
Também dedico este "post" à memória (às tantas ainda é viva?!) da minha profª Dra. Silvana Braga (autora do livro/sebenta da esquerda, na foto). Lembra-se Dra. Silvana? de quando foi chamada ao gabinete do Diretor do ICP por causa da minha prova de exame final, 2ª época? Disciplina nuclear, chumbava o ano todo; e eu até era aluno de alguns 17 e até 18 (naquela época!). Lembra-se que não se conformava com a ideia de eu poder repetir a prova depois daquele incidente surreal?! ... E de como eu lhe provei que sabia a matéria toda??? de fio a pavio???? ...

2014/05/01

Com o tempo... emociona-me o Tempo ... as flores ... a vasta silhueta das montanhas aqui em frente ...




Emocionam-me as árvores
o lume das amoras
adocicando os caminhos
as cigarras sem fadiga
iluminando o pó

Emocionam-me as árvores
a vasta silhueta das montanhas 
a mancha seca dos ribeiros
a frescura breve da voz dos melros
entre a ramagem amena dos amieiros

Emocionam-me as árvores
as velhas pedras onde o poema
é música de seda ...

Luís Filipe Maçarico
cantoneiro da CMLisboa
ed. autor, 1993

2014/02/25

Jesús Lizano: pela anarquia poética!




“Olá, companheiros! Digo companheiros porque sou comunista. Mas, que é o comunismo? Perguntam-se alguns. Pois o comunismo é o máximo ideal humano. E em quê consiste esse máximo ideal? Perguntam-se outros. Muito simples. Consiste em ver-nos todos únicos e companheiros. Todos, todos os seres humanos. Por isso somos uma mesma espécie e compartilhamos problemas comuns. Portanto, há que descartar os comunismos que não nos veem a todos como companheiros: O comunismo religioso, que nos divide em bons e maus, ou o comunismo político, que já demonstrou, depois de alcançar o poder, que nos divide em amigos e inimigos. Eu sou comunista poético e vejo-vos a todos únicos e companheiros.”

Jesús Lizano
(trad. de Salvador García Lax que já tem no prelo a sua obra "Lizania em Lusitania - Antologia Poética")
-
Conheci há uns meses atrás, o Salvador Garcia Lax, de Murcia, Espanha. 
Tenho tido o privilégio de conviver com ele em tertúlias literárias/poéticas, nomeadamente nos "Serões Literários das Cortes", "Clube Recreativo de Soutocico", "Grupo de Poesia e Cultura da Biblioteca Municipal de Alcanena".

Está presente no Facebook e na blogosfera.
É filósofo de formação académica e professor.

É um apaixonado da obra poética e filosófica de Jesús Lizano. 

Estou a ler com todo o entusiasmo a antologia de Jesús Lizano. Obrigado por me teres dado a oportunidade de dar o meu modesto contributo para que a sua edição em português fosse avante!

Abraço...

2014/01/28

Albano Martins - as acácias floridas

Vento Noroeste forte, dizem os meteorologistas... aqui nota-se.

O poeta escreve
A natureza descreve...


Eis que as acácias aí estão, novamente, em todo o seu fulgor.


Chegar pé ante pé: não despertar
as acácias floridas.

Albano Martins
PROPOSIÇÕES IMPERATIVAS

@as-nunes

2014/01/04

Tachistas, Oportunistas e outros istas ...


Tachistas, Oportunistas
E outros istas


Subservientes, rasteiros.
de gesto fácil p´ra vénia…
Atentos como rafeiros,
nojentos como a ténia.

Pululam por todo o lado.
Partem, repartem o bolo,
comendo o melhor bocado,
passando o sábio por tolo.

Não têm credo, política,
do que a vontade somítica
de D. Pedro ou D. Lacerda…

Um só lema, um facho :
a conservação do tacho !
Uf ! Que nojo.  Que merda.

Silva Resende
Povo Meu Poema, 1977
-

Comprei este livro, há dias, num alfarrabista.
A foto acima retirei-a do mensário "Correio da Barreira", nº 16,  de Janeiro de 2003.
Era seu Diretor e Fundador, o Barreirense (Casal da Mourã), Adélio Amaro. Colaborei neste periódico com alguns artigos, designadamente, na coluna "Digo Eu".

2013/12/05

Arménio Vasconcelos no lançamento do seu livro "Contos e réis reais d´amores"


 Adélio Amaro, editor da Folheto - Leiria, a apresentar a mesa e moderar a sessão...
 Zaida Paiva Nunes a dizer poemas de Arménio Dos Santos Vasconcelos . Pode ver-se na mesa: Adélio Amaro (editor da Folheto) Cynthia Roberts (Brasileira, procuradora, escritora, pintora, etc.), Arménio Vasconcelos, Celeste Alves (foi quem apresentou magistralmente o livro), Prates Miguel (advogado e escritor de relevo)...
Prates Miguel a ler-nos, no seu estilo peculiar, o Prefácio do livro de Arménio Vasconcelos.
Uma delícia de escrita e sentimento; pode ler-se na íntegra no fac-símile apresentado abaixo. (*)

 Um aspeto da assistência.
 A Dra. Celeste Alves a fazer a apresentação do livro deArménio Dos Santos Vasconcelos. Na mesa, da esquerda para a direita: Adélio Amaro, Cynthia Roberts, Arméniio Vasconcelos, Celeste Alves e Prates Miguel; uma equipa de luxo!
 A Dra. Cynthia Roberts a mostrar um quadro que ofereceu ao autor do livro e seu velho e grande amigo, vinda do Brasil...

 Arménio Vasconcelos no uso da palavra, emocionadamente, poeticamente...

 Para além da forma excecional como a Dra. Celeste Alves apresentou o autor, o seu livro e a sua obra, nunca é demais recordar o sítio na internet onde se pode encontrar uma biografia mais pormenorizada de Arménio Vasconceloshttp://armenio-vasconcelos.blogspot.com/


Nas dedicatórias no livro, a Zaida Nunes e a Marta Moita.
-
(*)
Fac-símile do Prefácio do Dr. Prates Miguel:


@as-nunes

2013/12/04

Grupo de poesia e cultura da Biblioteca Municipal de Alcanena: Alfredo Keil

O Dr. Ócar Martins a coordenar mais uma sessão literária do grupo de poetas populares de Alcanena.
O autor a tratar no decorrer desta sessão era o compositor e poeta Alfredo Keil.
O livro de sua autoria, que serviu de base aos trabalhos, intitula-se "Tojos e Rosmaninhos", com uma 1ª edição em 1907. A Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere promoveu a sua reedição em 1990, cuja capa (uma cópia do original) se mostra a seguir. Quem tinha de sua posse este livro, muito raro, era o nosso amigo e companheiro, Vitor.

Conforme já tive ocasião de deixar nota, no "Facebook

Neste livro de 1907 (1ª edição), Alfredo Keil mostra-nos a sua verve poética, pintor romântico e naturalista e compositor musical. De notar que a "A Portuguesa" foi composta em 1891 como manifestação da ira nacional ao Ultimato Inglês. E por aqui nos ficámos. Propúnhamo-nos marchar contra os Bretões ... os canhões vieram nos anos 50! Mas que temos um hino empolgante lá isso é verdade!

Alfredo Keil compôs a música de "A Portuguesa" mas não o poema. 

 O snr. Manuel, com a proveta idade de quase/quase 100 anos, que os fará precisamente no dia do 100º aniversário do concelho de Alcanena. Ao seu lado o snr. Gouveia, grande poeta, com obra publicada, experiência de vida pelas sete partidas do mundo, há cerca de ano e meio incapacitado para falar e escrever inteligivelmente. Também se pode vislumbrar a silhueta de Maria João.
Os snrs. Manuel e Gouveia. O snr. Manuel, muito duro de ouvido, devido à sua avançada idade, a ler um poema de Alfredo Keil.

O livro de poemas de Rúben Marques, 17 anos, recentemente lançado.

 Rúben Marques, o elemento mais novo, presente.
O snr. Alfredo (outro que não Keil, claro...) e o Rúben.

2013/10/25

Sebastião da Gama: VERSOS AO MAR



VERSOS AO MAR

Ai!,
o berço da tua voz,
e esse jeito de mão que tens nas ondas,
Mar!

Quando eu cair exausto
sobre as conchas da praia e fique ali
doente e sem ninguém,
hás-de ser tu quem me trate,
quero que sejas tu a minha Mãe.

Há-de embalar-me a tua voz de berço,
pra que a febre me deixe sossegar,
e hás-de passar, ó Mar!
pelo meu corpo em chaga,
as tuas mãos piedosas comovidas,
pra que sintas por mim as minhas dores
e eu sinta só o bálsamo nas feridas.

Como se fosses tu a minha Mãe…
Como se fosses tu a minha Noiva…

E hás-de contar-me histórias velhas
de Marinheiros…
Histórias de Sereias e de Luas
que se perderam por ti…
E se a Morte vier há-de quedar,
toda encantada, a ouvir-te,
e, sem ânimo já me há-de quedar,
Toda encantada, a ouvir-te,
E, sem ânimo já de me levar,
sorrindo, voltará por seu caminho
(não na sentimos vir, nem ir, tão de mansinho
se passou tudo, Mar!),
voltará de mansinho,
pé ante pé, pra não nos perturbar,

      mas saudosa da tua voz de berço…

Sebastião da Gama
SERRA-MÃE
Ed. Ática, 1991
p. 34
-
Ler sobre Sebastião da Gama, aqui

@as-nunes

2013/10/16

Poemas de Ricardo Reis e exposição na Barreira

(No próximo Domingo, 20 de Outubro de 2013, no Solar do Visconde da Barreira, será inaugurada uma exposição de Marta Moita, sob o título (ENTRE)LAÇOS LITERÁRIOS)




Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
 (Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
 Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
 E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
 E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
 Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
 Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
 Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,


 Pagã triste e com flores no regaço.


Poemas de Ricardo Reis
Mais poemas aqui
Ricardo Reis (heterónimo de Fernando Pessoa)
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RICARDO REIS

“Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (tinha nascido, sem que o soubesse, o Ricardo Reis).”
Diz Fernando Pessoa na carta, de 13 de Janeiro de 1935, a Adolfo Casais Monteiro, que Ricardo Reis nasceu em 1887 (embora não se recorde do dia e mês), no Porto. Descreve-o como sendo um pouco mais baixo, mais forte e seco que Caeiro e usando a cara rapada. Fora educado num colégio de jesuítas, era médico e vivia no Brasil, desde 1919, para onde se tinha expatriado voluntariamente por ser monárquico. Tinha formação latinista e semi-helenista.
Fernando Pessoa atribui a este heterónimo um purismo que considera exagerado e  refere que escreve em nome de Ricardo Reis, “depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode”.

Fonte: Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro, de 13 de Janeiro de 1935, inCorrespondência 1923-1935, ed. Manuela Parreira da Silva, Lisboa, Assírio & Alvim, 1999.