No decorrer dum jantar com muitos e bons amigos, em Leiria, a pretexto (há que arranjar sempre um pretexto para se juntar os amigos à volta duma mesa a comer, a beber e a conversar) do lançamento do 26º livro de Carlos Lopes Pires, foi-me dada a oportunidade de dizer umas coisas para que ficasse registado o momento, que era de convívio e regozijo por mais um livro que foi dado à estampa pelo autor.
(Li vários fragmentos deste texto, penso que a partir de "Assim"...)
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Palmilhar a luz
De há uns tempos a esta parte,
mais precisamente desde que nos conhecemos nos Serões Literários das Cortes,
que tenho dado comigo a constatar que a poesia de Carlos Lopes Pires é, também
para mim, algo de transcendente, que nos
transmite uma sensação complexa de simplicidade com que devemos encarar os
vários aspectos e momentos da nossa vida.
Ao lermos os seus poemas somos
transportados para uma dimensão que não julgava tão acessível ao comum dos
mortais.
Quando se fala de Poesia
poderemos, talvez, encará-la sob três aspectos:
1) O autor, acima de tudo,
escreve, observando regras quase matemáticas de métrica e rima;
2) O objectivo do que se
escreve é passar uma mensagem de eloquência e de cultura primorosa em todas as
áreas do saber e do estar, na literatura inclusive;
3) Um poema não tem de
obedecer a nenhuma forma específica nem abordar temas e questões concretas,
explicitando ao leitor o que se julga que ele deverá interpretar da linha de
pensamento do seu autor.
Parece-me cristalino que a
poesia de Carlos Lopes Pires só pode ser enquadrada no ponto 3 anterior, ainda
que ele não precise que lhe seja atribuído nenhum rótulo. A Poesia para Carlos
Pires é precisamente aquilo que nos tem deixado ao longo dos anos, e,
particularmente neste seu 26º livro publicado, “aquele que não ouvirás mais”.
Não quero nem me devo alongar
nesta minha singela intervenção, mas não podia deixar de referir aqui e agora
dois pormenores decisivos que poderão justificar o tempo que vos estou a tomar.
Assim:
Todos nós temos altos e baixos
no entusiasmo como encaramos a leitura e apreciação do que se vai escrevendo na
área da Poesia. Acontece até que frequentemente nos inquirimos sobre o que é de
facto a Poesia de que tanto se fala ultimamente. A verdade é que muito se está
a escrever a pretexto de que se trata de poesia e ficamos naquela indecisão de
sabermos se a poesia é ou poderá via a ser, algum dia, enquadrável num formato
dito literário. Devemos integrar a Poesia na Literatura, nos precisos termos em
que tradicionalmente esta se entrincheira?
É dos compêndios académicos e
da tradição clássica que a poesia é a mais antiga das formas literárias. No
entanto não será a Poesia muito mais que uma forma por que a Literatura se
manifesta? Não deveremos nós alargar a ideia de Poesia para além do mero uso da
palavra com que se constroem textos literários?
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Está à vista de quem me
estiver a ouvir que eu não sou a pessoa indicada para dissecar esta temática.
Permitam-me, no entanto,
evocar algumas reflexões que o nosso querido amigo e poeta Carlos Pires já
deixou escritas e à nossa disposição.
Diz Carlos Pires num seu texto
de 2017 acerca de Poesia, começando pelo título: «Poesia: a revelação iluminada.»
Prosseguindo: “A poesia diz o
que não pode ser dito, revela o segredo e, embora este escape, a poesia deixa no Mundo e no Outro a marca desse
segredo e desse mistério.”
…
“Por ser um olhar de espanto
iluminado ele é e traduz no poeta esse estado de encantamento, talvez de
epifania ou simplesmente de revelação iluminada. É por isso que toda a poesia
tende para o misticismo (ou religiosidade ou transcendência). Em grande medida
creio que a poesia pode ser entendida como um diálogo, uma ligação com o
Universo.”
Há que ler com atenção este
texto.
Tenho que o dizer agora, não
me considero um poeta na acepção tradicional/convencional do termo, mas estou a
dar comigo a ensaiar a escrita de poesia – pretenciosamente, talvez – sentindo
que a mensagem de Carlos Lopes Pires me está a cativar sobremaneira.
O seu estilo e forma de
encarar o Homem/Natureza integrado no
todo Universal estão a conseguir ser, para mim, como que uma trave mestra do
edifício poético que eu imagino.
Por isso mesmo já me habituei
a admitir a sua dimensão de Mestre e a minha qualidade de mero discípulo
aprendiz.
Era só isto que eu queria
dizer, que me sinto como que a palmilhar a luz rumo ao indefinido e com a
intenção de aproveitar os anos que me poderão restar de ser terrestre para
continuar com os meus ensaios poéticos nas abertas do tempo e do espaço em que
me for possível situar.
Obrigado, Carlos, pela
Mensagem que nos estás a conseguir transmitir duma forma decidida e contundente
sob o rótulo da complexa e aparente brevidade do teu discurso poético.
Leiria, Museu do Papel e/ou
Casa do Zé Manuel (S. Romão), em 23 de Março de 2019
António dAlmeida Nunes