Prefácio
Da imensidão dos lugares soam as vozes das musas e dos
trovadores para lá dos muros de silêncios que as batalhas dos homens ergueram,
nelas se espelham o sabor e o saber antigo dos sábios alquimistas, segredados
aos ventos em luas de marés cheias.
Nem as árvores, nem as pedras, nem as serras e montanhas as
detêm quando o clarim, suave e inumano, dos poetas ecoa às almas dos mortais, e
assim erguem das suas moradas eternas aqueles que desta e daquela morte se
desprendem do pó dos tempos, acumulado nas teias que a Sibila, e só ela, sabe
destrinçar, sem nunca quebrar o fio congregado entre as palavras e os seres que
habitam a terra arada pelos homens, inspirada pelos deuses, nascida entre o
orvalho da manhã e a maresia do cair da noite, onde só algumas, poucas,
sementes germinam, menos ainda crescem, e raras florescem e se reproduzem, no
ciclo eterno da natureza ditada pelo chilrear dos rouxinóis na beira dos
riachos desde a mais remota memória dos tempos, que a voz da cítara tangida à
lareira pelo calor do aedo perpetua até nós.
Não pode, este ou aquele, deslindar os segredos guardados
pelos ventos sem perceber a lei das coisas que geram a vida, sossegam a alma,
elevam o espírito, e, inscritas nos astros, prendem em si próprias os sonhos
confiados a mensageiros eleitos nos círculos de pedra na noite dos tempos.
Através deles, apenas deles, ressoa o pulsar da terra e de todos os que habitam
acima e abaixo das nuvens sopradas pelas estrelas até à luz celeste dos olhos
de uma mulher, poetiza, sábia e artesã da palavra e do texto que inscreve na
madeira a geografia do seu próprio ser, que bebeu a seiva da terra, o ar dos
mares e o aroma do sol.
Para lá do tempo, do espaço, na penumbra da sombra do sol, o
poema ressoa no olhar perspicaz de quem sabe ler os sentidos das coisas
indizíveis, com cuja transmutação se emparelham os objectos vivos que deambulam
na noite. A repetição dos mantras do universo foi sendo transmitida aquém e
além das muralhas, nos espaços escondidos entre os sentidos das rimas,
principalmente na ausência delas, guiados pelo aroma da voz que ecoa nas
escarpas das falésias que todos os dias se erguem no ruído da civilização.
A palavra, assente nos in-fólios desde a aurora dos tempos,
transmuta-se na arte da pessoa que grita em silêncios sentidos à flor da pele,
pulsados pelo ritmo da vida, e nunca desligados dela, por isso inatingíveis à
vulgaridade dos entes que, limitados pelo ciclo natural da programação dos
próprios genes, se cingem a eles e não perscrutam o mapa sombrio que se esconde
para lá do horizonte.
Para lá dos rios, dos mares, dos oceanos é preciso acreditar,
crer fielmente no guia, deslindá-lo, tomá-lo seu, apropriar-se do que não é
meu, nem seu, nem dele, senti-lo, vivê-lo, lê-lo, relê-lo até à exaustão.
Nem o mensageiro dos deuses que lhe roubou o fogo é dono
dele, ou conhece a fonte donde emana a confiança, ou alcança o todo, o uno e
indivisível absoluto que lhe foi incutido pela voz do sonho.
Já o desesperado leitor saberá jamais se o alcance da sua voz
chegou ao fim, enternecido pelo calor terno da viagem que o poema leva até si,
e é nessa viagem, fecundada no primeiro grito ecoado na floresta do
desenvolvimento da pessoa humana, passado de geração em geração pelo balanço
acalentado do berço, que nos deleitamos à sombra do barulho ensurdecedor dos
testemunhos chegados até ao nosso íntimo pela boa vontade dos intérpretes dos
segredos dos sonhos das almas humanas e inumanas.
Os segredos, ah os segredos, são isso mesmo desde sempre,
queimados os ícaros pelo abrasador e indiscutível brilho dos deuses, tombados
sobre o pó das estradas, espezinhados pela civilização e pela ciência exata nas
academias, certezas alteradas ao ritmo frenético das novas descobertas da
sempre eterna curiosidade humana.
Os sentimentos, apesar de tudo, permanecem imutáveis, século,
após século, desamarram-se na escuridão da caverna e partem, vão para lá do
consenso, arriscam desaparecer na própria existência muito antes do tempo
chegado, e riscam, desenham o seu caminho pelas caudas dos cometas que passam à
frente do nosso olhar, mesmo quando de olhos fechados, trémulos, temerariamente
encaramos o fluir da vida.
A eles, na indescritível razão da própria existência efémera
da essência humana, a alegria do nosso ser presta a homenagem devida, inexplicável,
sentida apenas no estímulo que a luz do verso nos outorga e, guiados por ela,
assumimos o desconhecimento da própria existência e vamos além dela,
suplantando o tempo, passado, presente e futuro.
Alcanena em julho de
2015
Óscar Martins
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Zaida Manuela Esteves Teles e Paiva Santos Nunes
Nasceu em Leiria, a 15 de Junho de 1945.
Estudou no Liceu Nacional de Leiria (antigo 7.º ano de
Românicas) e no Magistério Primário de Leiria.
Faz parte da Academia de Letras e Artes Lusófonas – ACLAL,
de que assumiu a cadeira do Patrono José Craveirinha.
Tem colaborado esporadicamente em alguns jornais e
participado em várias antologias poéticas. Em 2004 publica “José Teles de
Almeida Paiva – Uma Vida, Uma Época, Uma Cidade”, Folheto Edições. Na coleção
“25 poemas”, Folheto Edições, publica “Pedaços de Mim”, “Talvez” e “Suave
Trilogia”.
Editou dois blogues: “Gatimanhos” (2006-2007) e “Avó Zaida”
(2006-2009) ed. Blogger.