2014/11/09

Al Berto e eu...




“ A tua ausência ainda   pernoita……
nos escombros de uma fotografia”

Al   Berto



Abri esta folha, olhei-a, à primeira vista, um branco imaculado.

Gostaria de me envolver no exercício da escrita, com mais propriedade do que a que, até aqui, estou a conseguir. Mesmo assim permito-me insistir nesse propósito, por diversas vias, todas demasiado prosaicas, talvez. Escrevo até à exaustão em blogues, um, dois? livros. Particularmente, sob a batuta e mote da fotografia. Da fotografia de minha autoria. Essencialmente, fotografia de reportagem, instantâneos do que vai ocorrendo nos momentos da minha vida.

Agora que estou a entrar na segunda metade da minha década dos sessenta, decidi-me a rever conceitos, formas, projectos de estudo, ensaiando até poder. Ainda não perdi a esperança de que poderei vir a conseguir escrever algo de novo, algo de útil e diferente, que resulte do trato natural e espontâneo da minha imaginação e experiência de vida.

Imaginação, o que é a imaginação, em que é que se irá materializar a minha imaginação ao ser transposta para letra de forma sobre esta folha de papel que tenho aqui à minha frente? É verdade que ela já encontrou o mote do momento, alguns versos de Al Berto. Quanta presunção!
De qualquer modo, ei-la que está a começar a aparecer com uns salpicos gráficos. Mas para que servirá essa mancha assestada na claridade?

O dia está esplendoroso, ainda não são onze horas, da janela que tenho em frente diviso uma paisagem vistosa, a Natureza em pleno vigor, o rio Lis aqui perto a caminhar de mansinho, pelo vale, entre montes sobranceiros, mal acabou de nascer. Lá vai ele ao encontro do Lena, na Barosa. Ali se juntam, há quantos séculos não sabemos, há muitos, que não os conseguimos contar, ninguém ainda conseguiu contar. Muitos já o cantaram e continuam a cantar. Maravilhosamente. Bucolicamente. Romanticamente.
Leiria e o seu castelo e o seu rio trazem-me à ideia ausências várias. A  ausência do tempo em que não senti a sua alma, ao mesmo tempo a ausência de terras de Viriato, da minha ancestralidade, da minha juventude.
Poderei afirmar categoricamente que uma grande parte do que me vai ocorrendo na vida está fixado em fotografia. Fotografia no sentido literal do termo. Quantas fotografias não me olham com ares misteriosos, às vezes desconfiados, outras como que a querer falar comigo, enquanto eu as olho e ao olhá-las sou assaltado por sentimentos os mais dispersos, contraditórios e, em muitos casos, a apelar intensamente a certas  ausências, algumas de que mal me tenho apercebido no nevoeiro infernal com que o tempo vai toldando o meu espírito.
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Ausência…
Pernoitar..
Escombros..
A ausência de um momento corporeamente registado numa fotografia?
Já deteriorada pelo correr do tempo?

Essa ausência dorme…dorme…
Ainda é noite!
Até quando  vai continuar adormecida?
Não amanhece…a noite continua…
Deixemo-la dormir em paz!
Enquanto o tempo o permitir!

                      António Nunes
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* ver Boletim Informativo da ACLAL nº 5/2014 - pp 36-37