Indo pela EN 356-2 ... neste mês de Fevereiro ...
As árvores crescem a sós. E a sós florescem.
Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.
Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.
Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.
E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.
Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.
As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.
Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
a crescer e a florir sem consciência.
Virtude vegetal viver a sós
e entretanto dar flores.
António Gedeão
Obra Completa
Relógio d´Água Editores, 2004
(Amanhã é dia de encontro de poetas
na biblioteca municipal de Alcanena.
Vai-se dizer o que se entender sobre
Rómulo Carvalho)
nota: EN 356-2; estrada que liga Leiria a Fátima, por Reguengo do Fétal
@as-nunes
4 comentários:
E morrem de pé...
Adoro a poesia de Gedeão! E adoro árvores, também.
Bom fim de semana.
Há uma lição. Uma só, não mais
Sós, só os vegetais
Bom disparo!
a poesia...a fotografia e os comentários estão perfeitos!
abç
"Virtude vegetal viver a sós" que interpretação tal verso não proporciona... Gosto muito do poema e da foto.
Espero que tenha tido uma boa tarde de poesia. Esta noite também estive para ir ao Ateneu, mas deu-me um ataque de imobilismo, absolutamente fatal...
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