(No próximo Domingo, 20 de Outubro de 2013, no Solar do Visconde da Barreira, será inaugurada uma exposição de Marta Moita, sob o título (ENTRE)LAÇOS LITERÁRIOS)
Vem sentar-te comigo,
Lídia, à beira do rio
Vem sentar-te comigo
Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o
seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não
estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças
adultas, que a vida
Passa e não fica, nada
deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito
longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos,
porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos,
passamos como o rio.
Mais vale saber passar
silenciosamente
E sem desassossegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem
paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão
movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os
tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente,
pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar
beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos
sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu
nelas e deixa-as
No colo, e que o seu
perfume suavize o momento -
Este momento em que
sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra
antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança
te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as
mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu
levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer
ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória
lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
Poemas de Ricardo Reis
Ricardo Reis (heterónimo de Fernando Pessoa)
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“Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (tinha nascido, sem que o soubesse, o Ricardo Reis).”
Diz Fernando Pessoa na carta, de 13 de Janeiro de 1935, a Adolfo Casais Monteiro, que Ricardo Reis nasceu em 1887 (embora não se recorde do dia e mês), no Porto. Descreve-o como sendo um pouco mais baixo, mais forte e seco que Caeiro e usando a cara rapada. Fora educado num colégio de jesuítas, era médico e vivia no Brasil, desde 1919, para onde se tinha expatriado voluntariamente por ser monárquico. Tinha formação latinista e semi-helenista.
Fernando Pessoa atribui a este heterónimo um purismo que considera exagerado e refere que escreve em nome de Ricardo Reis, “depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode”.
Fonte: Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro, de 13 de Janeiro de 1935, inCorrespondência 1923-1935, ed. Manuela Parreira da Silva, Lisboa, Assírio & Alvim, 1999.